terça-feira, 10 de outubro de 2017

"Vivre à Paris"

Uma fotografia de Andreas Gursky, num registo de Montparnasse, em Paris.


Lembrei-me invariavelmente desta citação de Gaston Bachelard, que já referi mais vezes do que esperava:
https://entrepreambulos.blogspot.pt/2017/04/hong-kong-4.html
https://entrepreambulos.blogspot.pt/2016/04/41-noite-6.html

   «Em Paris, não existem casas. Em caixas sobrepostas vivem os habitantes da grande cidade: "Nosso quarto parisiense", diz Paul Claudel [1], entre suas quatro paredes, é uma espécie de lugar geométrico, um lugar convencional que mobilamos com imagens, bibelôs e armários dentro de um armário." O número da rua, o algarismo do andar fixam a localização do nosso "buraco convencional", mas nossa morada não tem nem espaço ao seu redor nem verticalidade em si mesma. "Sobre o chão as casas são fixadas com asfalto para não afundarem na terra." [2] A casa não tem raízes. Coisa inimaginável para um sonhador de casa: os arranha céus não têm porão. Da calçada ao tecto, as peças se amontoam e a tenda de um céu sem horizontes encerra a cidade inteira. Os edifícios, na cidade, têm uma altura exterior. Os elevadores destroem os heroísmos da escada. Já não há mérito em morar perto do céu. E o em casa não é mais que uma simples horizontalidade. Falta às diferentes peças de um abrigo acuado no pavimento um dos princípios fundamentais para distinguir e classificar os valores da intimidade.
   À falta de valores de íntimos de verticalidade, é preciso acrescentar a falta de cosmicidade da casa das grandes cidades. As casas, ali, já não estão na natureza. As relações da moradia com o espaço tornam-se artificiais. Tudo é máquina e a vida íntima foge por todos os lados. "As ruas são como tubos onde os homens são aspirados." [3]
   E a casa já não conhece os dramas do universo. Às vezes o vento vem quebrar uma telha para matar um pedestre na rua. O crime do telhado não visa senão ao pedestre atrasado. Por um instante o relâmpago incendeia os vidros da janela. Mas a casa não treme sob os golpes dos trovões. Não treme connosco e por nós. Em nossas casas grudadas umas às outras, temos menos medo. A tempestade sobre Paris não tem contra o sonhador a mesma capacidade ofensiva que a casa de um solitário.
Compreendemos isso melhor quando tivermos estudado, nos parágrafos posteriores, a situação da casa no mundo, situação que nos dá, de maneira concreta, uma variação da situação, não raro tão metafisicamente resumida, do homem no mundo.»
[Gaston Bachelard, Poética do Espaço, p. 44/45]

[Entusiasmei-me e fui acrescentando frases...]
[Daqui a duas semanas sai uma publicação com a informação sobre o edifício registado na fotografia.]
[Nota para mim mesmo:Uma resolução; comprar este livro na versão francesa!! E por que não comprar também o La formation de l'esprit scientifique.]

[1] Paul Claudel, Oiseau noir dans le soleil levant, p. 144.
[2] Max Picard, La fuite devant Dieu, trad. francesa, p. 121.
[3] Max Picard, La fuite devant Dieu, trad. francesa, p. 119.
Fonte:
http://www.andreasgursky.com/en/works/1993/paris-montparnasse

[02-09-2017 03:13]

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