sábado, 2 de janeiro de 2016

Refúgio - Villa Malaparte

Também a propósito da publicação de ontem, surgiu em conversa este tema.[ http://entrepreambulos.blogspot.com/2016/01/resolutione-56.html ]
 
O lugar -  Capri, Itália.

Diariamente a nossa existência é completada e preenchida pelas sensações transmitidas pelos elementos e fenómenos que fazem parte do mundo que nos rodeia; ao qual nós também pertencemos. Portanto, nós habitamos num lugar com características próprias e únicas que o distinguem, que o tornam singular. Assim sendo, o ambiente adquire uma identidade, uma essência que lhe confere a sua atmosfera.
A abordagem funcionalista é por vezes demasiado racional e abstracta, descuidando o carácter mais sensível do espaço que enriquece a experiência humana. O estudo da fenomenologia permite compreender e interpretar essa linguagem que pertence à identidade do lugar, contrariando em certa medida esse vazio presente na relação e no diálogo entre o objecto arquitectónico e o ambiente em que se insere.
Portanto procura-se criar espaços que estejam em uníssono com o meio natural em que é implantado, para tal é necessário analisar os factores que possam contribuir para a construção de uma ideia conceptual e posteriormente projectual. 

A compreensão do meio natural e do meio construído pelo homem é fundamentada e completada pela percepção que temos dos elementos verticais e horizontais, que correspondem respectivamente ao céu e à terra. Estes elementos poderão representar enquadramentos visuais ou conceptuais.

Estes conceitos, bem como a delimitação de interior, algo que conhecemos - que nos é familiar; e de exterior - enquanto desconhecido, têm implicações espaciais passíveis de serem entendidas pela dimensão existencial do lugar.
O interior resulta num espaço de protecção como o de uma concha que recebe e envolve na sua concavidade um pequeno grão, permitindo a sua autoconstrução, e a libertação do seu “eu”; o que irá prevalecer numa sólida pérola. O exterior alberga a imensidão de componentes e de movimentos cíclicos que o transformam e o personalizam.
Perante a perspectiva de Heidegger, o interior e o exterior estão separados por limites que podem ser diluídos pela abertura de uma janela ou de uma porta confinando estes dois ambientes com propriedades diferentes num único, rico em sensações – habitar numa casa significa, então, habitar no mundo.

A definição dos conceitos que implicam o habitar e o mundo não se restringem apenas aos aspectos formais normalmente abordados, mas sim, procuram esclarecer com profundidade os conteúdos e as temáticas de maneira a captar o espírito, a essência.
Relativamente à sua configuração, o lugar, ou espaço nasce de um centro que se expande gradualmente no território, adaptando-se, modelando-se, tal como as paisagens que por mais distintas que sejam encontram-se, diluindo assim a ideia de fronteira, de separação, e salientando a noção de continuidade, de unidade.
O espaço construído confina-se pela parede, o tecto e o chão; estes elementos possibilitam igualmente uma organização, dando origem a microcosmos, a uma multiplicidade de organismos e de recantos com diferentes atributos topológicos que intensificam a experiencia do habitar.
Para materializar estes conceitos, o homem procura na natureza indícios que o encaminhem, na medida em que o orientem a articular da melhor maneira os espaços construídos com o meio envolvente. Ou seja, a própria morfologia, as condições climatéricas e as atmosferas do lugar parecem ensinar ao homem como idealizar e como construir as suas concepções.

O objecto arquitectónico irá estabelecer um contacto, uma linguagem com o local de implantação, mas também é criada um “novo todo”, uma nova paisagem com outros atributos, que a poderão enriquecer e enaltecer a sua identidade.

Em suma, a simbologia, a essência, o genius loci do lugar advêm de uma interpretação pessoal das atmosferas, das sensações, que sentimos e interpretamos, e que contribuem para complexidade da nossa experiência espacial.

O construir deve assim implicar o cuidar, o preservar, o gerir os recursos naturais; ou seja o respeito do meio ambiente é necessário para que a relação entre o lugar e a implantação seja harmoniosa. Essa relação tem na sua base princípios ligados, num primeiro ponto ao reconhecimento e num segundo ponto, à compreensão da identidade do organismo.
As nossas vivências diárias são intensificadas no momento em que habitamos um espaço que reúna e possua a concretização ou a materialização destes princípios.
 
O arquitecto Adalberto Libera pensou para este pedido uma casa, que tivesse presente a pureza e a simplicidade das casas mediterrânicas; assim a forma obtida baseia-se num paralelepípedo comprido e estreito, que resulta num elemento baixo, continuo, rectilíneo. O edifício repousa sobre a escarpa rochosa de cores neutras, mas com formas belicosas. Essas formas morfológicas erguem-se do mar calmo do mediterrâneo.
Apenas é possível aceder à habitação pelo mar, subindo depois umas escadas que envolvem a falésia, ou a pé. Esta situação geográfica, de clausura, faz em certa medida alusão aos antigos mosteiros situados por exemplo em Meteora, na Grécia.
Este refúgio promove o afastamento da agitada cidade e das suas condicionantes que encerra.
O telhado, ou cobertura é composto por uma grande escada, com uma forma aparentemente trapezoidal, que dá acesso ao terraço que encima a construção, com uma ampla vista sobre toda a paisagem. Esta escadaria poderá constituir uma analogia com os antigos teatros gregos, que encontravam na natureza o melhor lugar para construir, adaptando as suas ideias conceptuais à topografia e ao envolvente. Face a esta escadaria desenvolve-se toda a complexidade de elementos naturais; é estabelecida desta maneira um interessante jogo de relações entre a construção e o seu espaço de implantação.

Uma outra forma de visitar esta casa (ou villa) é vendo um filme dos anos 60 chamado  Le Mépris, de Jean-Luc Godard. Deixo aqui um link - https://www.youtube.com/watch?v=Dqwv9XkHOpk
Todas as imagens foram retiradas da internet.
Não repares nos alinhamentos e na configuração do texto... nem sempre colaboram.


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